Busque sobre Nefrología - Urología

lunes, 4 de julio de 2011

HISTORIA DE LA NEFROLOGIA LATINOAMERICANA


BRÁSIL
H. Rocha
Ex presidente de Ia Sociedade Brasileira de Nefrología.

Introdução.-
Entendemos que nossa árdua missão é narrar, de modo metódico e sistemático, os principais fatores ocorridos na área médico-científica relacionados à nefrología brasileira. Esta narração debe incluir, necessariamente, fatos do nosso passado, acontecimentos e ações diretamente conectados a esta especialidade, dispostos de modo cronológico. Também, esta narrativa deve permitir uma visão de algumas perspectivas, dentro da concepção de que a história é o caminho para a visualização e entendimento do que está acontecendo e do que tem probabilidade de vir a acontecer. As dificultades para a realização de um trabalho desta natureza que seja fiel aos acontecimentos, e que traga dados qualitativos e quantitativos necessários à sua plena estruturação, são múltiplas e muitas delas devem ser conhecidas:

1.- A extensão territorial de nosso país continental, e sua natural e grande diversidade
2.- Dificuldades de comunicação pronta e eficiente, embora melhorada nestes últimos 15 anos.
3.- Falta de coordenação central das atividades nefrológicas do país. Apesar da existência da Sociedade Brasileira de Nefrologia, ainda persistem muitas atividades importantes não satisfatoriamente controladas, ou mesmo sem o conhecimento preciso desta Sociedade. A nível de governo, o conhecimento e controle das ações nefrológicas em nosso pais são ainda mais precários.
4.- Grande diversidade sócio-econômica em áreas do país, criando um mosaico diversificado da atividade nefrológica, e uma história diferente para cada área. A inexistência de registro sistemático das atividades em nefrologia, quer nas diversas regiões, quer a nível da nossa Sociedade Brasileira de Nefrologia. Esta falta de registro reflete, também, o desinteresse pela documentação de fatos históricos, e pela catalogação dos principais fatos ocorridos em determinada época. Este trabalho visa, portanto, levando em conta as limitações que apresentamos: a) dar uma ideia global, esquemática, da evolução histórica da nefrologia como especialidade em nosso meio; b) apontar a evolução de nossa Sociedade Brasileira de Nefrologia, destacando sua estrutura e sua atuação; c) mostrar o surgimento e a expansão de algumas ações nefrológicas em nosso país; d) destacar, de modo aligeirado as principais áreas de investigação em nefrologia no Brasil; e) mostrar as principais características da pós-graduação da Sociedade Brasileira de Nefrologia, advindas da evolução histórica da nefrologia em nosso país. Tudo isso foi conseguido pela análise de dados fornecidos pela Sociedade Brasileira de Nefrologia, da revisão de publicações relacionadas aos nossos Congressos Brasileiros, ao jornal Brasileiro de Nefrologia e de documentos oferecidos por alguns colegas que se dispuseram a colocar à nossa disposição alguns subsídios. Os dados vão apresentados de acordo com a visão do autor que milita na nefrologia brasileira e na Sociedade Brasileira de Nefrologia praticamente desde o seu inicio formal.

A nefrologia como especialidade em nosso meio.-
Passamos mais de um século neste regime, apesar de certos avanços e de mudanças, sobretudo com o surgimento de movimentos isolados que indicabam o inicio do interesse pela pesquisa básica em nosso meio. Isto ocorreu com o surgimento da Escola Tropicalista da Bahia (em torno de 1850), do Instituto Bacteriológico (1893) e do Instituto Butantã (1899) e do Instituto de Medicina Experimental de Manguinhos em 1900. Diga-se, de passagem, que estes Institutos surgiram, em parte, como resultado da pressão da sociedade por epidemias que nos assolaram no fim do século passado.

No setor clínico, mudanças de concep,ão e estrutura ocorreram, já neste século, sobretudo por influência do prestígio científico progressivo dos USA, em parte resultante da crise, e consequente declínio, dos centros médico-científicos europeus após a 2a Guerra Mundial. O Relatório Flexner, divulgado no início deste século, ainda hoje influencia muito a filosofia de organização curricular de nossas Faculdes, apesar de já não atender algumas necessidades importantes de nosso modelo social. Uma das vantagens desta filosofia flexneriana que prestigiava o conhecimento científico, foi despertar a necessidade da instalação de laboratórios bem montados para a realização de pesquisa básica. Além disso, destacaba a importancia dos hospitais universitários e da necessidade de utilização do espírito científico nas observações clínicas. Este movimento influenciou a instalação de laboratórios de algumas cadeiras básicas, entre eles, de fisiologia, em algumas Faculdades de Medicina, do nosso pais, alguns deles com investigadores bem treinados e interessados em problemas renais. Tambén, começaram a surgir disciplinas especializadas, nas diversas áreas de medicina. Na de Clínica Médica, por exemplo, sob a influência de avanços científicos e tecnológicos em determinadas áreas, médicos se diferenciaram e deram início à constituição de grupos especializados, dentre os quais se formaram nossos núcleos de Nefrologia. Contribuiu muito para isso a experiencia pósgraduada de muitos de nossos colegas que, ao envez de Europa, passaram a preferir os serviços médicos do USA para sua especialização. Foi assim que, grupos desta natureza cedo se formaram em São Paulo (na Universidade de São Paulo e na Escola Paulista de Medicina), na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, nas Faculdades de Medicina das Universidades do Rio Grande do Sul, do Paraná, da Bahia e de Pernambuco, e a nefrologia, mesmo antes de oficializada como especialidades, já existia de fato sendo ensinada no contexto da clínica médica. Em nossas Escolas Médicas adaptações e modificações curriculares múltiplas foram feitas, muitas delas refletindo a força política de grupos que se formavam. De modo geral houve tendência a copiar, com adaptações, o modelo americano de ensino, às vezes sem atentar para grandes diferenças nos estádios da evolução dos dois países. Houve crescente interesse pela criação de disciplinas especializadas na área médica, e este interesse influenciou muito a estruturação dos currículos de nossas Faculdades. A nefrologia, como especialidade, começou a existir como pequeno setor da Clínica Médica, ainda não plenamente diferenciado, até que, pelo vulto da sua importância, e pelo número de grupos já atuantes em todo país, surgiu como especialidade definida no fim da década de 50. Este era o resultado natural da existência de características peculiares bem definidas, métodos de trabalho também específicos, e metodologia científica adequada e apropriada. Houve, em nosso país, exagero na diferenciação de disciplinas, tentativas de isolamento de disciplinas de seu tronco básico, fragmentação prejudicial ao ensino de graduação, pelo excesso de especialização de grupos de ensino que prejudicaram a visão global em função de interesse fragmentário e limitado. Houve, também, em alguns locais, mudanças curriculares frequentes, sempre relacionadas à pressão e o jogo de poder por parte dos grupos especializados cada vez mais fortes em determinadas áreas. Nesta situação de movimento pendular das tendências, entre a ênfase a ser dada às disciplinas gerais comparada às especializadas, estamos, atualmente, na fase de ajustarmos a participação adequada e desejável das disciplinas médicas, inclusive a Nefrologia, à sua verdadeira posição no contexto da formação do médico geral, objetivo principal do currículo de graduação das nossas Faculdades de Medicina.
Cabe informar, historicamente, que a chamada Reforma Universitária (1962), ao colocar em aplicação a Lei 5.540, trouxe mais problemas e dificuldades para nossas Universidades do que imaginadas vantagens. Além de dissociar o ensino e a pesquisa básica da clínica, desorganizar a estrutura de muitas Escolas Médicas, permitiu a reorganização de currículos com tendência à especialização exagerada, além de subverter o princípio da hierarquia. É curioso ressaltar que a última fixação do conteúdo mínimo e duração do curso de Medicina em nosso país aprovada pelo Conselho Federal de Educação em 8 de outubro de 1969 (Resolução n.° 8) quando então dirigido pelo Prof. Roberto Figueira Santos, desfigurou a disciplina de Nefrologia. Isto ocorreu em 1969, e nesta distribuição da matéria a ser lecionada são mencionadas as disciplinas Cardiologia, Hematologia, Neurologia, Dermatologia, Doenças endócrinas e metabólicas, Oftalmologia, Doenças do aparelho locomotor. Doenças infecciosas e parasitárias, etc. A Nefrologia, passou a ser parte integrante das Doenças do aparelho urinário. Pelo exdrúxulo e artificial da proposta, que mereceu o repudio da Assembleia no Congresso da Sociedade Brasileira de Nefrología em 1970 em Recife, ela apenas provoou desentendimentos aqui e ali, mas prevaleceu o bom senso e o esperado: Persistiu, na maioria dos currículos, a disciplina Nefrologia, além da Urologia que, naturalmente, também individualizada. Deste modo, a Nefrologia continua presente como disciplina na maioria das Faculdades de Medicina, com participação geralmente limitada no Curso de Graduação, sendo mais atuante a nível de opcional do internato ou na pós-graduação. Diga-se, de passagem, que de todas as Unidades do nosso sistema universitário, as Faculdades de Medicina foram as que mais sofreram com a Reforma Universitária, e a Nefrologia dela pouco ou nada se beneficiou. Nosso distanciamento do ciclo básico separou-nos da Fisiologia e da Patologia, dois esteios muito importantes para trabalho e ensino conjuntos. Isto dificultou e afetou disponibilidades para a realização de pesquisas.
E foi assim que se expressou o saudoso Prof. José de Barros Magaidi, arguindo esta dissociação básico-clínica, ele que foi um dos autênticos pioneiros da Nefrologia brasileira, ao tomar posse em seu cargo de Titular da USP: “Nas grandes Universidades, as Faculdades de Medicina são separadas do Campus Universitário, com todos os seus departamentos devotados à Medicina do Homem. E tem que ser assim. Medicina é por demais transcendente para não ser assim considerada”. Reagia, ele, também, à indébita falta de diferenciação do ensino da Medicina, como um todo, no contexto de reforma proposta e aplicada à nossa universidade.

A nefrologia como disciplina no ensino de graduação médica.-

A criação da Sociedade Brasileira de Nefrologia em 1960 com a realização de Congressos desta especialidade foi fator determinante para o surgimento de vários Núcleos de Nefrologia nas diversas Faculdades de Medicina de nosso pais. Até então, poucas escolas destacavam esta especialidade do ensino geral de Clinica Médica, e a Nefrologia não necessariamente ficava sob a responsabilidade de interessados praticantes da especialidade. O avanço tecnológico especifico, o surgimento de serviços especiais para melhor assistência aos doentes, e a melhor definição de nossa área de atuação em pesquisa representaram impulsos fundamentais para o destaque e a individualização da nefrologia.

Em 1983, a Associação Brasileira de Escolas Médicas (ABEM), através sua Diretoria Executiva coordenada pela Prof. Alice Rosa Reis, fez amplo levantamento dos currículos plenos dos cursos de graduação em medicina no Brasil. Pode-se ver que, à excessão de poucas Faculdades, a Nefrologia consta como disciplina obrigatória ou optativa, na maioria das vezes oferecendo 45 a 75 créditos. Em uma Faculdade havia a chamada Clinica Integrada Nefro-Urológica com 105 créditos (Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Piaui) e não constava a Nefrologia do currículo de outras. Em Salvador (Universidade Federal da Bahia), como consequência da reforma universitária formaram-se 14 Departamentos, muitos de especialidades clínico-cirúrgicas, entre os quais o de Nefro-Urologia. A experiência desta ênfase em Departamentos especializados clinico-cirúrgicos foi um fracasso, e foi repudiada por docentes e discentes após 4 anos de conturbada vivência nesta universidade. A maioria das Faculdades do Sudeste e Sul do pais conservaram a Nefrologia nos seus currículos. No norte e nordeste do pais, a situação foi diferente. Provavelmente aí, a influência da distribuição de materiais do currículo médico proposta pelo Conselho Federal de Educação parece ter tido influência na individualização da Nefrología como disciplina independente. Também, o pequeno número de profissionais especializados em nefrologia deve ter influenciado decisivamente este quadro. Apenas como exemplo, seguese a situação da Nefrologia nos currículos plenos das Escolas de Medicina do Norte-Nordeste em nosso país em 1984.
Em todas estas unidades constava a Urologia, com número de créditos igual ou superior à Nefrologia. Não dispomos de dados atuais da evolução destes currículos das Faculdades do Norte-Nordeste até o momento atual. Sabemos que a Nefrologia passou a ser disciplina optativa em algumas delas e, esta inclusão, geralmente, correspondeu ao surgimento de um grupo de profissionais interessados que organizou um Serviço de Nefrologia para melhor assistência aos doentes, em hospitais universitarios ou utilizados para o ensino. No momento, o ensino da Nefrologia geralmente é feito para alunos que cursam do 10° ao 12° semestre, sendo disciplina ensinada sob a forma de curtos estágios, com poucas aulas teóricas, discussão de casos e atendimento ambulatórial. Nas diversas Escolas Médicas o pessoal docente das disciplinas de Nefrologia geralmente participa do ensino geral de Clinica Médica, além do ensino específico da Nefrologia. Nos diversos hospitais universitários foram sendo criados serviços de diálise, diálise-transplante renal, diversos ambulatórios da especialidade, além de laboratórios para suporte às atividades de investigação, de acordo com o preparado dos nefrologistas e o carisma da região onde trabalham.